Rolim de Moura - RO, 12 de Novembro de 2025

O Enigma da Farda e da Toga: Por que o Brasil vive com tanto medo?

Entre Grades e Blindados.

Fonte: Assessoria - Em ARTIGOS - 12/11/2025 11:55:00

O Enigma da Farda e da Toga: Por que o Brasil vive com tanto medo?

Este ensaio é o ponto de partida de uma jornada analítica destinada a investigar as raízes do caos na Segurança Pública brasileira. A análise parte de um olhar que transcende o trivial: uma perspectiva metafísica e filosófica centrada na falha da educação integral do homem.

Intitulada “A Nação Inacabada: Como a morte da Educação Integral Armou o Brasil”, a série propõe ao leitor um exame das manifestações do crime em todos os estratos sociais, identificando a essência que as unifica.

Esta reflexão nasce da confluência de mais de duas décadas de serviço militar e de sete anos de imersão nos estudos de filosofia e educação. O objetivo não é oferecer respostas definitivas, mas sim fomentar um diálogo necessário e, hoje, frequentemente negligenciado.

O Enigma da Farda e da Toga: Por que o Brasil vive com tanto medo?

O Enigma da Farda e da Toga: Por que o Brasil vive com tanto medo?

Entre Grades e Blindados.

O Brasil vive um paradoxo trágico: é um dos países que mais investem em segurança pública e, simultaneamente, um dos que mais sentem medo.
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública(Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2024), o país registrou 47.000 homicídios, com mais de 70% das vítimas jovens entre 15 e 29 anos — a mesma faixa etária que deveria estar nas escolas e universidades.

O brasileiro vive em estado de sítio. Moramos atrás de grades, erguemos muros cada vez mais altos, temos a maior frota de carros blindados do mundo e consultamos o mapa do celular não para achar o caminho mais curto, mas para evitar a "área vermelha". Somos uma sociedade refém, prisioneira do medo.

Em paralelo, assistimos a um espetáculo de gastos exorbitantes. Despejamos cifras colossais em nosso aparato de segurança. Gastamos 1,6 % de todo o PIB nacional, com um sistema judiciário, que se tornou um fim em si mesmo, e mobilizamos recursos gigantescos para operações de segurança que, na prática, mais parecem enxugar gelo.

O exemplo concreto dessa realidade se repete diariamente: vemos operações policiais cinematográficas, que mobilizam centenas de homens e fecham comunidades inteiras, instituições de segurança sendo obrigadas a reagir a gravidade da violência, com a máxima força, apenas para, no dia seguinte, o mesmo mercado de drogas estar reaberto, no mesmo local, sob o comando do mesmo poder paralelo.

A resposta que ouvimos no debate público é um teatro do absurdo. De um lado, gasta-se uma energia desproporcional atacando a própria ação policial, o braço visível do Estado na ponta da lança. A "farda" é colocada no banco dos réus por sua reação, eminentemente necessária, a um problema que ela não criou. De outro, a "toga" se vê atolada em um labirinto de garantias processuais que, não raro, parecem proteger mais o mecanismo do crime do que o cidadão de bem.

Enquanto isso, o povo, verdadeiro pagador de impostos e vítima do caos, assiste à repetição de um roteiro monótono a cada dois anos. Nos palanques, ouve o trio de promessas sagradas: "Saúde, Educação e Segurança". Ouve que são prioridades. No entanto, na vida real, o posto de saúde segue caótico, a escola segue medíocre e o medo na esquina segue crescendo. Nenhuma mudança estrutural positiva é sentida.

Ficamos presos em uma discussão circular: a culpa é da polícia que prende, ou do tribunal que solta? Precisamos de mais leis, ou de menos leis?

De Quem é a Culpa?

Estamos tão focados em administrar o sintoma que paramos de perguntar pela causa. Estamos debatendo exaustivamente o tamanho do curativo enquanto a ferida infecciona e a gangrena se espalha.

É preciso ter a coragem de fazer uma pergunta herética, uma pergunta que desloca o eixo de todo o debate. E se o problema não estiver, fundamentalmente, na polícia ou no tribunal?

Em A Democracia na América, Alexis de Tocqueville observou que “o primeiro dever de um povo livre é educar a si mesmo; sem instrução, a liberdade é um risco e o poder torna-se tirano”. O Brasil parece ter seguido o caminho inverso: aumentou o poder coercitivo antes de consolidar a formação moral de seus cidadãos.

E se a raiz da insegurança, do crime violento da facção ao crime sofisticado do colarinho branco, não estiver no Código Penal, mas na escola?

Esta pergunta soa estranha ao ouvido moderno, pois fomos ensinados a ver a educação como um meio para obter um emprego, não como um caminho para forjar uma alma. Reduzimos a "educação" a mera "instrução". A moderna visão materialista resumiu o conceito de formação integral do homem à perseguição sem sentido de um diploma, que na maioria das vezes está jogado em uma gaveta qualquer.

O filósofo Platão, em A República, já alertava que uma cidade só pode ser justa se seus cidadãos forem educados para amar a virtude. Ele entendia que a finalidade da educação (a Paideia) era formar guardiões virtuosos. Essa sabedoria, aperfeiçoada séculos depois pela Escolástica, entendia a educação não como um treinamento técnico, mas como a formação integral do homem.

Sob os princípios filosóficos e metafísicos cristãos, o homem não é apenas um "recurso humano". Ele é uma criatura dotada de três potências que precisam ser ordenadas: o Intelecto, a Vontade e o Espírito.

A educação integral escolástica visava:

1. Formar o Intelecto para o conhecimento da Verdade.

2. Formar a Vontade para a escolha do Bem (as Virtudes).

3. Formar o Espírito para a busca de seu Fim Último (a Transcendência, Deus).

Quando um sistema educacional abandona essa missão, ele não produz cidadãos "neutros". Ele produz homens inacabados.

E este homem inacabado é a matéria-prima do caos. Vemos isso, de forma concreta, no jovem cooptado pela facção, que age com uma brutalidade desprovida de qualquer freio moral, como se a vida alheia fosse descartável. Mas vemos, de forma ainda mais perigosa, no graduado de colarinho branco que, com sua caneta de luxo e seu diploma de elite, desvia o dinheiro da merenda escolar, dos aposentados, da saúde, condenando milhares de pessoas à sua sorte.

Quando analisamos as matérias explicitando criminosos que dominam territórios, espalhando caos e terror na população dominada, exibindo armamentos de grosso calibre, somos incapazes de perceber que, existe uma conexão direta, destes, com os juízes vendendo sentençaou médicos que após “bater o cartão” no SUS, abandonam seus postos, e vão para seus consultórios particulares sem qualquer peso em sua consciência.

O criminoso e o corrupto não são antagonistas; são irmãos formados pela mesma pedagogia do vazio. O primeiro age pela força, o segundo pela astúcia — ambos moldados por um sistema que nunca lhes ensinou o valor do Bem, apenas o cálculo da vantagem. Assim, o problema da violência urbana é antes de tudo uma questão de filosofia moral.

A Educação Integral do Homem e a Ordem no Caos.

Santo Tomás de Aquino ensinava que a lei humana só é lei se for uma "ordenação da razão para o Bem Comum". Mas o que acontece quando o sistema educacional falha em formar a razão (o Intelecto) e zomba da própria existência de um Bem Comum (a Vontade) relativizando a Verdade? A lei vira apenas um jogo de poder.

Em Visões de Mundo: o Conflito Ideológico que Define as Sociedades (2022), Thomas Sowell mostra que toda política pública é o fruto de uma visão moral prévia: “As sociedades não são destruídas pela falta de recursos, mas pela incapacidade de distinguir entre o que pode ser mudado e o que deve ser respeitado.”

O Brasil abraçou a “visão ingênua” (segundo a tipologia de Sowell), acreditando que o homem é naturalmente bom e que o crime é apenas uma resposta a circunstâncias econômicas. Desse modo, as políticas de segurança e educação partem da mesma falácia: corrigir o ambiente sem tocar na alma.

O resultado é visível: uma população cada vez mais decadente, e cada vez mais analfabeta moralmente.

Tocqueville já alertava que “a tirania começa quando o poder se vê obrigado a proteger o povo de si mesmo”. É exatamente isso que o Brasil vive: um Estado armado contra a própria ignorância — uma ignorância que ele mesmo produziu ao abandonar a educação integral.

Como veremos nesta série, é essa falha educacional que arma o Brasil. Ela produz, de um lado, a "força bruta desgovernada" do faccionado e, de outro, a "inteligência desalmada" do corrupto.

A polícia, nesse contexto, é obrigada a compensar o fracasso da escola. O crime, por sua vez, torna-se uma instituição paralela de educação moral invertida, que ensina hierarquia, lealdade, obediência e até ritos — tudo o que o sistema educacional moderno ridicularizou em nome de uma falsa liberdade.

O resultado é um Estado dividido contra si mesmo: a toga absolve o que a farda prende, e a escola observa, inerte, o desfile das consequências.

O enigma da Farda e da Toga não será resolvido por eles. O policial e o juiz estão apenas lidando com o produto final de uma linha de montagem defeituosa. Antes de exigir mais da polícia ou do tribunal, precisamos perguntar: que tipo de homens estamos formando? E que tipo de nação pode ser construída por homens que nunca foram ensinados a diferenciar a Verdade da mentira, ou o Bem do mal?

Referências

• SOWELL, Thomas. Visões de Mundo: o Conflito Ideológico que Define as Sociedades. Trad. Ed. Record, 2022.
• TOCQUEVILLE, Alexis de. A Democracia na América. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
• FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024. São Paulo: FBSP, 2024.
• ARISTÓTELES. Política. São Paulo: Martins Fontes, 1991. (apoio conceitual)
• SANTO AGOSTINHO. A Cidade de Deus. Trad. Paulus, 2001. (referência filosófica complementar)
 

Autor: Clodomar Rodrigues Coronel da Polícia Militar do Estado de Rondônia.

Comandante Regional de Policiamento II.

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